sábado, 14 de novembro de 2009

Chamados para Pregar o Evangelho


Vários dos últimos artigos publicados nesta seção nos convidaram a pensar no chamado de Jesus aos seus discípulos para pregar o evangelho do reino de Deus (Mc 3.13-19). O objetivo maior foi cativar para o encantamento com a palavra pronunciada por Deus e para o desafio para que nossa palavra seja por ela inspirada e orientada.

A palavra de Deus gera vida
Se lermos atentamente o relato da criação, veremos como ali a palavra de Deus se transforma em realidade. Deus fala e sua palavra “acontece”. Sua voz penetra o caos e este, dia após dia, transforma-se em vida.

Quando Deus fala, não apenas sua palavra cria realidade, mas ele mesmo vem com sua palavra. Palavra e presença não se dissociam -- elas desenham a realidade do próprio Deus. Deus é o que ele diz e diz o que ele é. Afinal, Deus é verdade e, na verdade, palavra e realidade são uma só coisa. Elas se afirmam e dignificam. Além disso, Deus é amor -- e o amor não apenas se “declara” ao outro, mas também se “entrega” ao outro. A palavra de amor que se pronuncia é o espelho dessa realidade. Por isso Jesus pode dizer que ele é a expressão do amor de Deus.

Assim, quando Jesus chama os discípulos para pregar a palavra de Deus, eles são convocados a dar sua vida junto com a palavra que irão levar. A palavra anunciada não está dissociada da vivência; e ao outro não se está simplesmente “entregando algo”, mas dando-lhe a própria vida. A palavra é percebida como verdade quando se vivencia como amor-entrega.

A palavra de Deus é missionária
A fé cristã é missionária por natureza, pois reflete a natureza missionária do próprio Deus. A fé cristã não é um produto de exportação que se divulgue por razões ideológicas ou institucionais, nem algo que se deva propagar por ter uma dimensão superior a outras expressões de fé.

A fé cristã é missionária por ser uma expressão do Deus que ama e cria por amor. Ela é missionária como Deus foi missionário ao ir ao encontro de Adão e Eva no jardim, quando se escondiam dele. “Onde está você?” (Gn 3.9) é a pergunta-busca de Deus ontem e hoje. É a pergunta que ecoa em todos os lugares e pode ser pronunciada em todas as línguas e etnias, numa afirmação cabal do Deus que é amor e vida. A fé cristã não quer impor nada a ninguém, mas sim expressar a busca de Deus por todos aqueles a quem ele ama e conhece pelo nome.

Assim, ao chamar os discípulos para anunciar a palavra de Deus, Jesus os convoca a sair em missão imbuídos do mesmo espírito de amor com que Deus buscou Adão e Eva. “Onde está você?” é, pois, uma pergunta dos nossos dias e para a nossa geração.

A palavra de Deus tem nome e corpo: Jesus
O livro de Hebreus fala da revelação de Deus e de como ele tem falado conosco “muitas vezes e de várias maneiras” (Hb 1.1) por meio de pessoas às quais confiou esta tarefa. O chamado de Deus tal como expresso em Gênesis assume outros contornos históricos, mas ele nunca deixa de falar e de buscar o ser humano. Hebreus registra também como Deus tornou sua palavra ainda mais real na história: “Mas nestes últimos dias falou-nos por meio do Filho... O Filho é o resplendor da glória de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as coisas por sua palavra poderosa” (Hb 1.2, 3). O ser e a palavra de Deus caminham juntos e expressam a glória de Deus, que se fez homem na pessoa de Jesus. É o Verbo que se faz carne, em sinal concreto de como a palavra-realidade de Deus vem viver entre nós e assume forma humana (Jo 1.14). Se, no relato da criação, a palavra-presença de Deus era uma realidade, era ainda uma realidade a ser discernida. Se, no Antigo Testamento, a palavra-realidade de Deus se torna visível por meio da vida e da palavra dos profetas, era ainda uma palavra intermediada. Porém, agora Deus rompe todas as barreiras de percepção de ausência, invisibilidade e intermediação, calça sandálias e cobre-as de poeira. A presença da palavra torna-se inequívoca e a humanidade de Jesus reflete no espelho da vida a realidade de um Deus que radicaliza o seu amor: o Jesus encarnado.

Assim, a razão central para os discípulos anunciarem o evangelho é a manifestação visível do amor de Deus e de como um gesto de amor salvífico deve ser representado. A pregação desse evangelho tem de apontar para Jesus, que é a expressão maior do amor de Deus e do seu desejo profundo de construir uma relação restauradora com todo e qualquer ser humano, em todo e qualquer lugar.

A nossa palavra precisa de “corpo”
A palavra de Deus que somos chamados a anunciar é aquela que nos foi anunciada -- a mesma que ouvimos, à qual nos convertemos e pela qual fomos constituídos um corpo, que é chamado Corpo de Cristo. O corpo encarnado de Jesus passa a ser expresso e vivido por esse corpo de pessoas alcançadas pela palavra, revitalizadas pelo Espírito Santo e transformadas em agentes dessa palavra. Um enorme privilégio e responsabilidade!

Assim, quando enviados a pregar o evangelho, os discípulos são chamados a fazê-lo de tal forma que por meio deles Cristo seja visto e encontrado em qualquer tempo e em qualquer lugar onde o evangelho for anunciado. Porém, como bem expressou Pedro (Jo 6.68), eles sempre o farão como aqueles que foram alcançados por essa palavra-presença, que a ela se renderam e dela vivem: “Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras de vida eterna. Nós cremos e sabemos que és o santo de Deus”.


Autor: Valdir Steuernagel
Pastor luterano e trabalha com a Visão Mundial Internacional e com o Centro Pastoral e Missão, em Curitiba, PR.
Fonte: Revista Ultimato - Edição Setembro-Outubro/2009

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